segunda-feira, 22 de setembro de 2008


Filme inspirado em caso Jean Charles é rodado em Londres

Publicidade

PEDRO DIAS LEITE
da Folha de S.Paulo, em Londres

"Tem a maior fila lá fora!", diz o ator Luís Miranda para um incrédulo Sidney Magal, no camarim de uma boate numa área pobre do sul de Londres. "Ah, é? Achei difícil que viesse gente", responde o cantor, ao lado de dois dos três filhos. Na pequena sala, também está a atriz Vanessa Giácomo, com o filho de sete meses no colo.

Em poucas horas, Magal subirá ao palco, cercado por quatro mulheres de tops decotados e shortinhos apertados com estampa da bandeira do Brasil, para um show de uma música só (tocada quatro vezes). "Eu trouxe até calcinha para tacar no palco. Sem o Henrique saber. E não é minha, não, pelo amor de Deus!", diz Vanessa.

Carol Fontes/Folha Imagem
Cena do show de Sidney Magal, do filme sobre o brasileiro Jean Charles de Menezes (assassinado pela polícia londrina)
Cena do show de Sidney Magal, do filme sobre o brasileiro Jean Charles de Menezes (assassinado pela polícia londrina)

O inusitado encontro tem um motivo: a gravação de uma cena para o filme sobre a vida do eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia britânica em julho de 2005, confundido com um terrorista numa estação de metrô em Londres.

Miranda faz o papel de Alex, um dos primos de Jean. Vanessa interpreta Vivian, outra prima. Henrique é Henrique Goldman, diretor e um dos roteiristas do filme. E Magal, apesar de ser Magal mesmo, está no lugar de Zeca Pagodinho.

Algumas semanas antes de ficar tristemente famoso, Jean Charles viveu seu dia de herói em Londres. Zeca Pagodinho estava na cidade para um show e decidiu ir ao Feijão do Luís, restaurante popular (de feijoada, claro) na rua Oxford. Mas uma falha no bufê que mantém a feijoada aquecida quase atrapalhou os planos do cantor.

Jean Charles, desempregado e triste, estava lá. Consertou o problema e "salvou o dia". Para o filme, a negociação com Pagodinho não avançou, e surgiu a idéia do show. Em vez de salvar a feijoada do sambista, Jean Charles salva a apresentação de Sidney Magal. "Mantivemos o espírito do que aconteceu, o Jean Charles salvando a festa de um ídolo brasileiro", diz o roteirista Marcelo Starobinas.

O filme parte da história de Jean Charles (vivido por Selton Mello) para contar a vida dos milhares de brasileiros que moram no Reino Unido, seu cotidiano, suas dificuldades, suas barreiras e pequenas alegrias.

Boa parte da ação gira em torno da chegada a Londres de uma das primas de Jean, Vivian, que mudou para a cidade poucos meses antes da morte dele. "É uma menina inocente, jovem e insegura, que se torna uma mulher decidida. Uma caipirinha que vira 'power girl'", diz o diretor. "O Brasil não conhece bem o Brasil do exterior. Quanto mais fora do Brasil, mais brasileiras as pessoas ficam", conta Goldman, fora do país há mais de duas décadas.

Um cara como a gente

A história continua por um tempo após a morte de Jean. Vanessa, que vive a prima, chegou a dormir na casa dela em Gonzaga (MG) e conheceu os pais de Jean. "É um cara como a gente, que gostava de sair, mas superfamília", diz Starobinas. "Muita gente vai se surpreender com quão divertida é a história antes de ficar trágica."

Carol Fontes/Folha Imagem
O ator Selton Mello, no papel de Jean Charles de Menezes.
O ator Selton Mello, no papel de Jean Charles de Menezes.

A idéia do filme surgiu em 2006, mas demorou dois anos para que o projeto saísse do papel. Com os títulos provisórios de "Brazuca" ou "Leave to Remain" (permissão para ficar), deve ser lançado em 2009.

O filme tem produção-executiva de Stephen Frears e Rebecca O'Brien (sócia de Ken Loach), e é realizado pela Mango Filmes, de Goldman, e pela Já Filmes, de Carlos Nader. O orçamento gira em torno de R$ 8 milhões, captados meio a meio no Brasil e no Reino Unido, onde teve apoio do UK Film Council, órgão governamental, mas independente.

Alguns personagens reais vivem eles mesmos no filme, como outra prima, Patrícia, e Maurício Varlotta, que foi chefe do brasileiro por cinco anos. "Ele trabalhou comigo até acontecer essa desgraça", conta, antes de se revelar "um grande fã" de Magal.

Algumas horas mais tarde, ele é um entre as dezenas de brasileiros que se aglomeram perto do palco ouvindo as ordens do diretor (as meninas que subiram no palco têm de subir de novo, na mesma ordem!) e Magal cantar: "O meu sangue ferve por você!". A calcinha, branca de bolinhas pretas, voou para o palco.