O longínquo sotaque interiorano de Vanessa Giácomo se dilui no charme quase brejeiro da atriz. Com um indisfarçável brilho nos grandes e expressivos olhos negros ao falar de sua primeira vilã na tevê, a atriz de 28 anos parece estar sempre agitada. Em sua cobertura no Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde mora com o marido, o ator Daniel de Oliveira e os dois filhos do casal, a atriz mescla assuntos como trabalho, família e até seu interesse pela arquitetura. Ou seja, bem diferente da dondoca Celeste, a maquiavélica e egoísta riquinha que interpreta em Morde & Assopra. É a primeira trama de Walcyr Carrasco que vai atuar do começo ao fim. Ela conheceu o autor após uma breve participação em Caras & Bocas. Na novela das sete, a atriz de Volta Redonda ¿ cidade do interior do Rio de Janeiro ¿, está sendo dirigida por Rogério "Papinha" Gomes, com quem que trabalha desde sua estreia na tevê. "Fico muito à vontade com ele. Peço para ele dizer quando uma cena está horrível. Tem atores de destaque que até inibem os diretores, não querem aparecer feios. Eu gravo sem maquiagem sem o menor problema. Esse é meu trabalho!", ressalta.
Desde que estreou na tevê como a Zuca, em Cabocla, quase todas as suas personagens foram mocinhas ingênuas e interioranas. Como tem sido viver uma vilã que tem um pé no humor, como a Celeste?
Tem sido libertador porque me deixa à vontade para tudo. Quando você faz uma personagem muito boazinha, está presa a muitos compromissos. Tem de ser a certinha, não enxerga que o vilão está se aproximando por interesse e segura a onda até o final da novela. A vilã não! Não tem pudor para falar nada! Diz o que pensa e é engraçado, gostoso. Tem um lado de humor na trama do Walcyr que é delicioso, apesar de fazer maldade. Ela fala o que pensa. Mas vou aos poucos. Como são oito meses de novela, não posso doar tudo agora. Tenho de entregar as manhas para a personagem aos pouquinhos para fazer um trabalho legal.
Que caminhos você buscou para essa composição meio "cartoon" dela?
Assisti a muitos filmes. Todo ator quer fazer um personagem mau. Assistir ao longa Ligações Perigosas, do Stephen Frears, foi interessante para me conduzir para uma manipulação sutil de personagens, mostrar como usar uma pessoa para fazer o que se quer, maquinar como em um jogo de xadrez. O vilão só pensa nos seus interesses. Não sei exatamente o que o Walcyr quer com ela. Ela odeia o campo, odeia terra, vaca, mas finge que gosta disso tudo. Tem inveja da irmã que morreu e gosta dela ter morrido. Pensa: "Ainda bem que saiu aquela praga do meu caminho", risos. A mãe também não tem afeto pela filha morta. Eu busco na Celeste essa frieza, que é o que mais a distancia de mim. Ela também inferniza a vida da Tonica, da Klara Castanho. E eu amo crianças! Sou totalmente emocional. Brinco muito com a Klarinha. Na hora de gravar, digo para ela: "Olha, vou fazer muita maldade com você, hein!".
Você teme a reação do público por tratar mal uma criança?
Claro! Quando você mexe com criança, todo mundo quer te matar! Mas, quando você interpreta uma vilã, já espera que as pessoas te odeiem. Mas acho que o Walcyr está ainda muito sutil. O humor a salva. Traz um outro lado, ameniza. Principalmente porque a Tonica não é uma personagem bobinha. É uma criança esperta. Se fosse inocente demais, acho que a relação do público seria pior.
Mas não é frustrante querer tanto estrear como vilã e interpretar um papel amortecido pelo humor?
Não! Estou amando ela ser assim. É bom que chego aos poucos na vilania. Ela vai mostrando várias faces, como todo vilão. Ela tende a ser uma personagem carismática porque não tem pudor em ser chata, debocha do que fala. Mas tem o lado da maldade que as pessoas acabam tendo raiva mesmo.
Como vai se desenrolar a fixação dela pelo Abner, do Marcos Pasquim, por sua vez também envolvido com a Júlia, da Adriana Esteves?
Na verdade, ela só é apaixonada por ela mesma. Ela apenas cismou pelo cara. Não acho que seja paixão ou amor. Longe disso. Se interessou apenas porque ele era casado com a irmã dela. Ela quer tudo que a irmã tinha. Não existe sentimento. Ela é muito mimada. A mãe dela, Salomé (Jandira Martini) faz tudo que ela quer, tem muito dinheiro, mas é avarenta. Mesmo assim, ela compra as coisas, sentimentos, compra a menininha, faz chantagens. E o Abner enxerga a Celeste como se fosse uma mulher totalmente do bem, que trata a filha da melhor forma, como se fosse a tia perfeita. Ela usa o fato de ser tia para manipular a família toda e ainda vai surpreender muito.
Você se refere ao segredo relacionado ao ex-noivo dela, que vai ser revelado ao longo da trama?
Isso ainda é um mistério. Duas semanas antes de ela casar, o noivo desaparece. Grande parte da cidade e a própria mãe acham que ela o matou e ela começa a ser malfalada em Preciosa. Ninguém quer casar com uma mulher com fama de assassina. Acho que ela tem raiva dele porque ele sumiu e queimou o filme dela, mas eu realmente não sei se ele foi morto.
Como avalia sua carreira, depois de estrear como protagonista em Cabocla e ter conseguido manter personagens de destaque na tevê?
Dei muita sorte. Logo de cara, a Zuca: incrível, com muito carisma, de uma novela do Benedito (Ruy Barbosa), que sabe conduzir muito bem suas heroínas. Elas são sempre humanizadas, oscilam, não são chatinhas. Quando estreei, saiu na imprensa que eu tinha feito muitos testes, mas isso é mentira. Meu segundo teste na vida foi para a Zuca. O primeiro foi para apresentar um programa. Vim para o Rio sem conhecer quase ninguém. Estava há um ano e pouco fazendo teatro. Fiz figuração em Malhação por um mês e, quando participei do teste para a Zuca, nem sabia que era uma protagonista. Foi bom porque fiquei relaxada. Era a hora certa. Isso já aconteceu outras vezes. É a questão do olhar do diretor. Tem personagens que eram para ser meus. Ninguém poderia tirá-los de mim... (Risos).
Quais?
Isso aconteceu no filme Jean Charles (baseado na história de um brasileiro que morava em Londres e morreu assassinado por policiais ingleses ao ser confundido com um terrorista). Na época, o (diretor) Henrique Goldman veio ao Rio, me convidou e estava tudo certo para eu fazer, mas viajei e engravidei. Pensei: "não vou conseguir". Eles já estavam em Londres para filmar. O Henrique disse que não dava para me esperar. Mas alguma coisa aconteceu de errado. O Selton Mello também já estava em Londres e, mesmo assim, o filme não rolou por questões de patrocínio e outros problemas. O Selton voltou para o Brasil e, um ano depois, me ligaram e perguntaram se eu queria fazer. Topei na hora. E, quando estava grávida, fiz Duas Caras, do Aguinaldo Silva. Ele mudou a personagem Luciana por minha causa e deixou que ela aparecesse grávida. Acho que tudo tem sua hora. Para mim, o Jean Charles já estava rodado. De uma certa forma, você sente quando um personagem tem de ser seu, como a Zuca.
Em Cabocla você conheceu seu marido, o ator Daniel de Oliveira, protagonista da trama. Vocês traçam planos profissionais em comum?
Sempre. Conversamos muito antes de começar um trabalho, trocamos ideias e falamos bastante. Depois que iniciamos o processo, quando já estamos no meio do jogo, fazemos o gol, não nos metemos no trabalho do outro (risos). Curtimos muito cinema. Temos o projeto de um longa e gostamos de trabalhar juntos também porque assim conseguimos ter férias em família (risos).
Outros caminhos
Vanessa Giácomo está sempre antenada com a sétima arte. Não só com quem está atuando e dirigindo cinema, mas também com novos equipamentos. Ela chega a trocar ideias de parcerias e projetos com seu marido, o ator Daniel de Oliveira. Multifacetados, ambos dublaram os personagens-título do longa infantil que está em cartaz, Gnomeu e Julieta, de Kelly Asbury. "É a história de Romeu e Julieta que se passa com anões de jardim. É divertidíssima para crianças", assegura.
Recentemente, a atriz também rodou o filme Novela das Oito, do diretor Odilon Rocha, que estreia em julho. Na produção, Vanessa contracena com Cláudia Ohana e interpreta uma prostituta exagerada, que usa diversas perucas, uma maquiagem muito carregada e se aprofundou em uma composição excêntrica para a meretriz que é quase uma drag queen. "Ela tem uma veia de humor forte, é quase um travesti. O ator Luiz Miranda me ajudou muito a encontrar a personagem. Foi uma experiência absolutamente diferente de tudo", anima-se.
No espelho
Vaidosa pela profissão, Vanessa Giácomo não se descuida dos cuidados estéticos. Apesar de não ser viciada em exercícios, a atriz pratica balé desde a infância. Mesmo assim, ainda se obriga a praticar musculação e exercícios aeróbicos vez ou outra. Isso sem falar em sua obsessão por cuidados com a pele. "Não como fritura em hipótese alguma, bebo água o tempo inteiro e vou muito à dermatologista. Já o balé me traz delicadeza porque não sou nada delicada. Sou terra, sou pé no chão!", avisa, aos risos.
Trajetória Televisiva
Cabocla (Globo, 2004) - Zuca
Sinhá Moça (Globo, 2006) - Juliana
Amazônia - De Galvez a Chico Mendes (Globo, 2007) - Ilza
Duas Caras (Globo, 2007) - Luciana
Paraíso (Globo, 2009) - Rosa
Caras & Bocas (Globo, 2009) - Miriam
Morde & Assopra (Globo, 2011) - Celeste